sexta-feira, 30 de julho de 2010

Questione: Sobre Subdesenvolvimento e Iogurte

Atualmente, os países podem ser divididos (para referência política e econômica), de acordo com o grau de desenvolvimento socioeconômico, em desenvolvidos ou em desenvolvimento. O Brasil faz parte do segundo grupo. Contudo, é um dos países que vêm apresentando bom desempenho econômico principalmente nas últimas duas décadas e muita coisa vem melhorando.

Nem sempre foi assim, nós éramos chamados de subdesenvolvidos. Hoje este termo está em desuso, digamos que fica mais bonito classificar uma nação como país em desenvolvimento ou como país emergente, já que o termo subdesenvolvido ficou estigmatizado. Porém, retomo o termo porque não é a forma de classificar que altera uma situação, embora uma evolução no modo de pensar o mundo promova a mudança classificatória repercutindo sobre a postura política. Mas a realidade é a realidade e esse jogo de palavras serve para melhor compreendê-la, mas guiado por determinados interesses.

O subdesenvolvimento é resultado de um processo histórico específico que requer uma teorização própria uma vez que as teorias econômicas formuladas com base nas economias mais avançadas não conseguem explicá-lo. Celso Furtado foi um economista preocupado com a situação do país e por isso estudou as singularidades de nossa formação econômica e sobre este quadro formulou o que chamou de teoria do subdesenvolvimento. Para ele:

“O subdesenvolvimento é um processo histórico autônomo, que nada tem a ver com o atraso e com a estagnação. Não é uma etapa pela qual tenham passado necessariamente as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento. É uma forma de crescimento com certas características particulares, que são uma verdadeira armadilha histórica”, Furtado (2002).

Segundo Furtado, não existe uma teoria completa que explique o comportamento de uma economia subdesenvolvida porque o caminho seguido por países nessas condições foi diferente do percorrido pelos desenvolvidos. O atraso se deve a incapacidade de reproduzir o mesmo processo de industrialização dos países cêntricos. Assim, o subdesenvolvimento é resultante de um processo de dependência de um país que foi edificado com base na exportação de matérias primas e produtos agrícolas para serem beneficiados lá fora e importados agregado de valor e tecnologia, prontos para consumo. Não que seja totalmente desprovido de indústrias, o que não existe é um sistema industrial autônomo, mas sim dependente de importação tecnológica.

O resultado é uma situação particular em que os países desenvolvidos utilizam recursos naturais, mão-de-obra barata e abundante, energia a baixo custo, incentivos fiscais e subsídios governamentais dos países com industrialização tardia, transferem para estes as indústrias “pesadas”, as mais poluidoras, as obsoletas e ficam com as de “ponta”, que utilizam a mais alta tecnologia desenvolvida.

Nos anos de 1990, com a abertura do mercado brasileiro e a enxurrada de produtos importados, nossa situação melhorou muito, as opções de compra se ampliaram possibilitando um maior poder de escolha do consumidor. A entrada no país das mercadorias estrangeiras, que antes não tínhamos acesso, possibilitou uma concorrência obrigando aos fornecedores nacionais melhorem seus produtos, isto quando não foram engolidos pelas empresas transnacionais ou quebraram. Porém, nos foi dado acesso a bens mais “sofisticados” que há muito já fazia parte da cultura de consumo dos países desenvolvidos.

Assim, o resultado deste processo, na prática, é uma sensível diferença nos bens de consumo finais e em seus preços. Apesar dos avanços, o que nos chega para consumir aqui no Brasil, lá fora já é tecnologia obsoleta, considerando ainda que pagamos caro por esta tecnologia que está sendo descartada pelos outros, que além de estarem à nossa frente ainda pagam menos. Isso é sentido aqui quando vemos pessoas voltando do exterior com as malas cheias de compras, principalmente eletrônicos, podemos também citar artigos de uso mais comuns como os tênis, roupas, jeans, perfumes, etc.

Só que nos acostumamos, nosso mundinho é este, como saímos de uma situação inferior logo notamos a melhora e achamos que está bom; continuamos acreditando que os produtos importados são os melhores, que para comprar eletrônicos barato e com tecnologia de ponta só indo ao exterior. Mas estamos míopes, pois não vivenciamos a experiência de quem mora num país desenvolvido, não é por acaso que os gringos vêm aqui e saem achando que somos uma selva, que vivemos em meio a macacos (claro que muito dessa visão é por pura ignorância).

Este ano, tive a oportunidade de vivenciar como é estar num desses países. Estive em Paris e realmente nota-se a diferença no “ar”, é impressionante! Parece que estamos respirando cultura, conhecimento, aí que se percebe que somos um país ainda bem “tupiniquim” mesmo. Adoro meu país e o defenderei de qualquer um que disser isso dele, mas aqui estou sendo sincera, é verdade! A gente vê o quanto ainda estamos para trás, afinal, ainda somos um país em desenvolvimento.

Daí que resolvi cismar, mas foi por acaso. Encontrei no supermercado o mesmo iogurte que consumo diariamente no meu café-da-manhã. Quer dizer, a embalagem, a marca e o nome do produto eram iguais, mas a surpresa é que o conteúdo era completamente diferente. Eu nunca havia experimentado nada igual e olha que a variedade de iogurtes nas prateleiras de nossos supermercados é considerável.

Gostaria de poder descrever o produto aqui, mas confesso que tenho dificuldades, ele tem uma consistência e uma cremosidade ímpar, acho que só é comparável a um sorvete bem cremoso, mas na temperatura e com o sabor de iogurte. Depois de passada a surpresa inicial, fiquei intrigada em saber o porquê de aqui no Brasil nossos iogurtes serem como são. Não é possível que exista um produto tão superior e que ainda não tenha chegado às nossas gôndolas!

Eu não ia deixar isso barato e resolvi provocar, escrevi um e-mail ao fabricante do iogurte querendo saber o que acontecia. Basicamente já sabia a resposta e não deu outra: disseram que os produtos são baseados na pesquisa do gosto do consumidor e que o perfil de consumo do europeu é diferente do nosso. Pensei: mas como?! Nunca tive a oportunidade de provar algo igual comprado aqui no Brasil, como eles podem saber como prefiro meu iogurte? No restante da resposta dizia que as variações do clima entre os países e a origem das matérias primas também poderiam ser responsáveis pela diferença, o que não é impossível.

Essa explicação seria até aceitável. Mas preciso de provas mais concretas que uma simples resposta a um SAC, dada por um profissional de marketing e, até que as tenha, minha opinião é que o iogurte que encontramos à venda no supermercado também é resultado do processo histórico de subdesenvolvimento ao qual passamos. O mesmo que trás para cá indústrias indesejadas pelos países desenvolvidos e que põe à venda eletrônicos com tecnologia obsoleta. Isso não acontece só com o iogurte o mesmo raciocínio serve para a cerveja, o chocolate, os vinhos, os queijos* e a maioria dos produtos, até o café de lá é melhor que o nosso.

Fica aqui o desafio, gostaria que alguém me desse uma explicação razoável sobre a diferença entre os produtos, mas, por favor, não desafiem minha inteligência, tem que ser uma explicação melhor que a minha.

* Só pra dar um exemplo, o camembert da marca Presidente que aqui no Pão de Açúcar na promoção custa em torno de R$ 12,00 no Carrefour de Paris sai por menos de 2 Euros!!!

Obs: O iogurte, ao qual me refiro no texto, se convertido seu preço em Euro para o Real custa o mesmo.


Paris, abril de 2010, Rio Sena

Sugestões de leitura sobre o subdesenvolvimento:

FURTADO, Celso; Em Busca de um Novo Modelo: Reflexões Sobre a Crise Contemporânea, Editora Paz e Terra, São Paulo, 2002.

_________, O Mito do Desenvolvimento Econômico, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1996

_________, O Capitalismo Global, Editora Paz e Terra, 2007.

http://www.juliobattisti.com.br/tutoriais/arlindojunior/geografia006.asp

http://educacao.uol.com.br/geografia/ult1701u65.jhtm

domingo, 11 de julho de 2010

Atualidade: Violência de Gênero

Este tema está presente na mídia, na boca das pessoas comentado em cada esquina, por onde passamos ouvimos alguém falando e nós mesmos estamos acompanhando com atenção e curiosidade. Este assunto entrou na pauta do dia devido ao desaparecimento e provável morte de Eliza Samudio atribuída ao goleiro Bruno e seus amigos. Bruno é goleiro de um dos maiores times de futebol do Brasil, ídolo e modelo para muitas pessoas, no momento encontra-se preso deixando seus fãs atônitos e perplexos.

A violência de gênero, segundo as Nações Unidas, se refere ao ato que venha a resultar num dano físico, sexual ou psicológico e sofrimento para as mulheres, incluindo as ameaças, coerção ou privações arbitrárias de liberdade, que ocorrem no âmbito público ou privado. Este tipo de violência é resultado da construção social da masculinidade, termo que reporta a significados culturais pessoais remetidos ideologicamente para o terreno da essência dos ‘homens’ através de processos metafóricos aplicáveis às interações humanas na vida social.

Gênero se refere às formas como nos comportamos e agimos perante a sociedade, tornando-nos homens e mulheres, e à forma como estes papéis e modelos, geralmente estereótipos, são internalizados. Deste modo, é comum assumir que determinados comportamentos são da “natureza do homem”. Contudo, geralmente, a violência praticada pelos homens e o comportamento desrespeitoso em relação à sua parceira, estão relacionados à forma como as famílias e a sociedade educam os indivíduos.

Muitas sociedades promovem a idéia de que ser homem significa ser provedor e protetor através do incentivo a agressividade e a competitividade por parte destes como sendo úteis ao seu posicionamento neste papel, ao mesmo tempo, este tipo de cultura pode levar as mulheres a aceitarem a dominação masculina. Restando aos homens que venham mostrar interesse em executar tarefas domésticas e que demonstram suas emoções, por vezes, serem ridicularizados e estigmatizados como sendo “viadinhos”.

Assim, ao longo da história a masculinidade prevaleceu como detentora de características universalizantes e inalteráveis, em que se sobressaía o modelo de homem empreendedor, guerreiro, provedor, entre outros. Isso porque os atributos associados à diferença entre homens e mulheres eram baseados na biologia. Somente diante das lutas feministas por uma igualdade entre os sexos que operaram transformações na sociedade tendo como conseqüência uma maior participação das mulheres na esfera pública, a partir das décadas de 1960 e 1970, que ocorreu a desestabilização nas representações do gênero masculino e passou a ter sentido questionar, além das características determinadas pela biologia: “o que é ser homem?”

Diante do surgimento dessa questão emblemática, constata-se que existe permeado na sociedade um modelo hegemônico da masculinidade que se estrutura por meio dos eixos da heterossexualidade e da dominação, proveniente da concepção da superioridade masculina através da história e sobre o mundo heterossexuado que atravessa as relações homens/mulheres e homens/homens. A hegemonia passa pela associação de características relacionadas a um modelo predominante de gênero, isto é, ser homem é não ser mulher. Nesse sentido, predominam idéias opostas ao que se julga pertencer às mulheres para definir o que é ser homem, passando também pela representação do ser provedor, articulando duas esferas concretas: o trabalho e a família, constituindo-se como duas instâncias de referência para a inserção e o reconhecimento de ser homem. Essa representação reflete a idéia de que a identidade de ser homem se ancora na sustentabilidade/materialidade fornecida pelo trabalho, para atingir o seu destino de formar uma família. Essa caracterização encontra-se presente na construção cultural do homem exercendo neles uma forma de controle social desde os primeiros passos de sua educação, obriga-os a serem viris, mostrarem-se superiores, fortes, competitivos, ou serão tratados como os fracos e como as mulheres.

Significar não ser como as mulheres, pode levar a condutas exageradamente masculinas instaurando uma insegurança crônica sobre a identidade do gênero que precisa ser resolvida perante outros homens. Deste modo, a masculinidade é dependente da aprovação de outros homens, portanto a emoção que se destaca é o medo, situando a homofobia como princípio organizador da definição de virilidade. A este processo pertence uma dinâmica onde o medo leva à vergonha, ao silêncio, e à violenta afirmação da masculinidade. Nesse contexto, as mulheres e os homens homossexuais são “outros” destacados desta identidade heterossexual.

Então, o modelo hegemônico do masculino é definido como sendo uma construção opositiva a um modelo, também hegemônico, feminino carregado de parâmetros como: racional, ativo no público, provedor, sexualmente “irresponsável”, poderoso, universalizado na sua dominação, Homem com ‘H’ maiúsculo. O outro lado desse binômio é a mulher, definida como: emotiva, voltada ao mundo privado da reprodução dos filhos, responsável pelas relações de afeto, sexualmente passiva na sua opressão. Diante dessa confrontação entre os dois modelos de gênero nas relações sociais, tanto na esfera doméstica quanto na pública, todas as vantagens, segundo esses valores dominantes da sociedade individualista, competitiva e monetarizada, pareciam ser dos homens. Sendo assim, a masculinidade é uma construção social, que nos mais diferentes contextos históricos e culturais, é percebida e vivenciada de forma diferenciada. Nesse sentido, situada no âmbito do gênero, a masculinidade representa um conjunto de atributos, valores, funções e condutas que se espera que um homem tenha em uma determinada cultura. Este modelo de masculinidade hegemônica e “patriarcal” têm impacto sobre os homens podendo trazer como conseqüências uma pressão no nível individual e nas grandes estruturas sociais, políticas, econômicas e ideológicas baseadas na hierarquia e nos privilégios.

Os homens são marcados e brutalizados pelo mesmo sistema que os dá privilégios e poder, a vida cotidiana de sociedades de classe industrializadas é de violência disfarçada de racionalidade econômica, portanto, enquanto alguns são tratados como extensões de máquinas, outros são como cérebros separados de corpos. Neste contexto, há uma “tríade de violência” – de homem contra mulheres, contra outros homens e contra si mesmo – que reflete a violência cotidiana de uma sociedade de classes hierárquica, autoritária, sexista, classista, militarista, racista, impessoal e louca canalizada através de um homem individual. Isso implica que a masculinidade requer a supressão de muitas necessidades, sentimentos e formas de expressão, o que faz desta construção social aterrorizadoramente frágil, em que o resultado é uma “tensão” entre ser macho e ser masculino, capaz de manter uma insegurança constante nos homens, e impulsionar tanto a auto-desvalorização como reações violentas contra outros/as.

Outro ponto importante relacionado à sexualidade masculina é a pornografia, contextualizada na sociedade capitalista de consumo, em que relações humanas são dominadas pela mercantilização; o capitalismo produz, onde puder, objetos para consumo sexual e transforma em objetos os sujeitos da sexualidade. Na caracterização hegemônica do masculino, o binarismo “passivo/ativo” proíbe e suprime a passividade nos homens, portanto a fascinação com a pornografia que oferece além de um objeto sexual passivo, uma oportunidade de os homens terem prazer sexual de forma passiva, desta forma, compondo um mercado insaciável. Os danos provocados não atingem apenas aos homens, a raiz do problema é uma cultura patriarcal, orientada ao lucro, produtora de mercadorias, que reprime a polissexualidade e superimpõe a masculinidade e a feminilidade ao dualismo ativo/passivo; estas são as fontes últimas da degradação sexual.

Uma sociedade que subordina as relações humanas à busca do lucro e à ambição individual não permite uma distinção entre a família e as relações sexuais do trabalho e produção. Desta forma, a construção do gênero masculino a partir da sua identificação com a razão o direciona para competir, na esfera pública, pressionados a encarar sua porção deste modelo binário, traduzida em independência e auto-suficiência masculina, o que os leva a desvalorizar ou negar necessidades afetivas em nome desta “razão social”. Portanto, é o preço pago para assumir essa identidade, porém as emoções e sentimentos são fontes importantes de dignidade e integridade humana, negá-los condiciona o homem a um ser fragmentado, dividido em si. Tentar ser o homem competitivo, racional, ambicioso, forte e independente, muitas vezes significa distorcer as sensibilidades e matar emoções, fazer dos corpos máquinas insensíveis que possa ser controlada, assim, os homens são treinados desde pequenos para se identificar com a ética do trabalho capitalista muito mais que as mulheres.

A imagem da masculinidade hegemônica não corresponde necessariamente às características dos homens mais poderosos de fato, pois ela representa apenas a face pública dessa masculinidade, pois é aquilo que sustenta o seu poder e aquilo que muitos homens estão motivados a apoiar. Construída em relação a mulheres e outras masculinidades, referente a grupos dominados, a masculinidade hegemônica as oculta e as subordina, embora não as elimine por completo. Embora não represente a maneira de ser nem dos homens da elite nem dos homens subordinados, a função ideológica deste modelo explicitado, a cumplicidade de todos com a masculinidade hegemônica, explica-se pelo fato de que é a expressão cultural da sua dominação sobre as mulheres, o que legitima e naturaliza práticas de subordinação.

As considerações sobre masculinidade hegemônica são subsídios para a discussão da violência cometida contra a mulher, como também da violência contra outras formas de masculinidade. Ela é uma violência simbólica, ou seja, mecanismos sutis de dominação e exclusão social, sendo incorporada pelos sujeitos sem que a percebam. Assim, as relações de dominação são adquiridas não só pelo indivíduo que se julga superior na relação como, também, pelos dominados sem que, em grande parte dos casos, sejam questionadas.

Deste modo, o modelo de masculinidade de construção cultural, tem como eixo central o poder, estruturado a partir da noção de que o masculino é superior ao feminino, contribui para que homens exerçam a dominação sobre as mulheres. Nessa ordem social, através de um processo de violência simbólica, as mulheres não só passam ser a pensadas por meio de uma lógica externa a elas, como também são investidas na função de contribuir para perpetuar ou aumentar o poder dos homens. Deste modo, os dominados contribuírem com a sua própria dominação e o fato de ter consciência da dominação e dos mecanismos de violência simbólica nem sempre é suficiente para se combater ou superar determinados estados de coisas. Assim, são inúmeros os casos de mulheres que suportam as situações de violência por um longo período e muitas nunca chegam a denunciar seus companheiros, seja por vergonha ou medo de perder seu provedor e ficarem desamparadas.

A biologia muitas vezes é apontada como a principal causa da violência masculina, porém deve ficar claro que os aspectos biológicos têm um papel mínimo na explicação do comportamento violento, são os fatores sociais e culturais os responsáveis de fato pelo comportamento violento de alguns homens, ou seja, eles não são ‘naturalmente’ ou biologicamente mais violentos, eles aprendem a ser violentos. Os homens são, via de regra, socializados para reprimir suas emoções, sendo a raiva e até a violência física umas das formas socialmente aceitas para que eles expressam seus sentimentos.

Todos nós somos produtos da construção social que encontramos no meio onde vivemos, porém, como cada um se relaciona de modos diferentes com os símbolos que recebem, também agimos de modo diferente. O goleiro Bruno é fruto da sociedade em que se formou, fruto dos símbolos que foram incorporados e precisa manter uma imagem pública. Seja o que for que o levou a cometer a atrocidade da qual está sendo julgado, tanto pela justiça quanto pela sociedade que lhe forneceu os símbolos para sua construção moral, uma coisa é certa, nela está envolvida a relação de poder que gira em torno do jogador, a áurea glorificadora que envolve um jogador de futebol que consegue projeção, tornando-se ídolo e conseguindo dinheiro para obter tudo do qual foi privado até então, sem falar no fascínio que produz em algumas mulheres. Esses fatores fazem com que os limites se expandam, lhe é permissível fazer coisas que antes ele não tinha acesso. Porém, há um outro lado, Bruno precisa manter a posição que ocupa dentro da sociedade, a posição de ídolo, de marido e de profissional, isso fez com que fosse levado a uma medida extrema por julgar ameaçada sua identidade simbólica dominante.

Do outro lado temos a vítima, Elisa, fascinada pela imagem simbólica que o goleiro representava, se deixou seduzir pela ocasião. Também foram os símbolos atribuídos a posição da mulher na sociedade que a levou engravidar de um jogador de futebol e passar a exigir seus direitos. Mesmo estando em posição de desvantagem e Bruno, anteriormente, já a tendo tratado com violência, ela o foi procurar levando a mente a construção masculina que recebeu do meio social que identifica o homem como provedor e como tal deve garantir a seu filho recursos financeiros e um nome que lhe possibilite um futuro.

Neste caso todos perderam, ela a vida e ele é culpado do crime cometido. Que este crime sirva de lição a sociedade e contribua na construção de identidades de gênero que favoreçam uma sociedade mais igualitária. Importantes mudanças estão sendo alcançadas na transformação do masculino como gênero através da desconstrução da masculinidade hegemônica e a incorporação de novos valores, claro que isto não significa precisamente que esteja havendo um distanciamento da dominação masculina, pois ao colocar em xeque a masculinidade pode-se provocar uma reação contrária à pretendida. Porém, deve-se entender que o processo de configuração de práticas é algo dinâmico, muitas vezes cíclico, assim avanços importantes estão sendo alcançados, mas a dominação masculina, manifestada através da violência contra a mulher, está longe de ter um fim, este será um conflito que deve ser vencido através da disseminação cultural e os veículos comunicativos de mídia são algumas das ferramentas importantes para que se modifique a construção social de gênero, isso tornou-se possível dada a abordagem de que as estruturas sociais estão configuradas nas relações entre os gêneros por processos históricos e não biológicos, portanto viabilizando as estratégias de mudança focalizando na vida cotidiana e atuando na transformação da cultura incorporada ao longo da história.

Referências:

Cecchetto, Fátima Regina, Violência e Estilos de Masculinidade, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2004.

Giffin, Karen, A Inserção dos Homens nos Estudos de Gênero: Contribuições de um Sujeito Histórico, Ciência e Saúde Coletiva, ano 10, vol. 001, Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 2005.

Gomes, Romeu. (2008). A Dimensão Simbólica da Violência de Gênero: uma discussão introdutória. Athenea Digital, 14, 237-243. Disponible em:
http://psicologiasocial.uab.es/athenea/index.php/atheneaDigital/article/view/520

Pires, Vera Lúcia, Do machismo ao gênero: as relações dialéticas entre as feminilidades e as masculinidades transformaram mulheres e homens?, Sobre gênero e preconceitos: Estudos em análise crítica do discurso – ST 2, UFSM, agosto de 2006.

http://www.promundo.org.br/
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