Este tema está presente na mídia, na boca das pessoas comentado em cada esquina, por onde passamos ouvimos alguém falando e nós mesmos estamos acompanhando com atenção e curiosidade. Este assunto entrou na pauta do dia devido ao desaparecimento e provável morte de Eliza Samudio atribuída ao goleiro Bruno e seus amigos. Bruno é goleiro de um dos maiores times de futebol do Brasil, ídolo e modelo para muitas pessoas, no momento encontra-se preso deixando seus fãs atônitos e perplexos.
A violência de gênero, segundo as Nações Unidas, se refere ao ato que venha a resultar num dano físico, sexual ou psicológico e sofrimento para as mulheres, incluindo as ameaças, coerção ou privações arbitrárias de liberdade, que ocorrem no âmbito público ou privado. Este tipo de violência é resultado da construção social da masculinidade, termo que reporta a significados culturais pessoais remetidos ideologicamente para o terreno da essência dos ‘homens’ através de processos metafóricos aplicáveis às interações humanas na vida social.
Gênero se refere às formas como nos comportamos e agimos perante a sociedade, tornando-nos homens e mulheres, e à forma como estes papéis e modelos, geralmente estereótipos, são internalizados. Deste modo, é comum assumir que determinados comportamentos são da “natureza do homem”. Contudo, geralmente, a violência praticada pelos homens e o comportamento desrespeitoso em relação à sua parceira, estão relacionados à forma como as famílias e a sociedade educam os indivíduos.
Muitas sociedades promovem a idéia de que ser homem significa ser provedor e protetor através do incentivo a agressividade e a competitividade por parte destes como sendo úteis ao seu posicionamento neste papel, ao mesmo tempo, este tipo de cultura pode levar as mulheres a aceitarem a dominação masculina. Restando aos homens que venham mostrar interesse em executar tarefas domésticas e que demonstram suas emoções, por vezes, serem ridicularizados e estigmatizados como sendo “viadinhos”.
Assim, ao longo da história a masculinidade prevaleceu como detentora de características universalizantes e inalteráveis, em que se sobressaía o modelo de homem empreendedor, guerreiro, provedor, entre outros. Isso porque os atributos associados à diferença entre homens e mulheres eram baseados na biologia. Somente diante das lutas feministas por uma igualdade entre os sexos que operaram transformações na sociedade tendo como conseqüência uma maior participação das mulheres na esfera pública, a partir das décadas de 1960 e 1970, que ocorreu a desestabilização nas representações do gênero masculino e passou a ter sentido questionar, além das características determinadas pela biologia: “o que é ser homem?”
Diante do surgimento dessa questão emblemática, constata-se que existe permeado na sociedade um modelo hegemônico da masculinidade que se estrutura por meio dos eixos da heterossexualidade e da dominação, proveniente da concepção da superioridade masculina através da história e sobre o mundo heterossexuado que atravessa as relações homens/mulheres e homens/homens. A hegemonia passa pela associação de características relacionadas a um modelo predominante de gênero, isto é, ser homem é não ser mulher. Nesse sentido, predominam idéias opostas ao que se julga pertencer às mulheres para definir o que é ser homem, passando também pela representação do ser provedor, articulando duas esferas concretas: o trabalho e a família, constituindo-se como duas instâncias de referência para a inserção e o reconhecimento de ser homem. Essa representação reflete a idéia de que a identidade de ser homem se ancora na sustentabilidade/materialidade fornecida pelo trabalho, para atingir o seu destino de formar uma família. Essa caracterização encontra-se presente na construção cultural do homem exercendo neles uma forma de controle social desde os primeiros passos de sua educação, obriga-os a serem viris, mostrarem-se superiores, fortes, competitivos, ou serão tratados como os fracos e como as mulheres.
Significar não ser como as mulheres, pode levar a condutas exageradamente masculinas instaurando uma insegurança crônica sobre a identidade do gênero que precisa ser resolvida perante outros homens. Deste modo, a masculinidade é dependente da aprovação de outros homens, portanto a emoção que se destaca é o medo, situando a homofobia como princípio organizador da definição de virilidade. A este processo pertence uma dinâmica onde o medo leva à vergonha, ao silêncio, e à violenta afirmação da masculinidade. Nesse contexto, as mulheres e os homens homossexuais são “outros” destacados desta identidade heterossexual.
Então, o modelo hegemônico do masculino é definido como sendo uma construção opositiva a um modelo, também hegemônico, feminino carregado de parâmetros como: racional, ativo no público, provedor, sexualmente “irresponsável”, poderoso, universalizado na sua dominação, Homem com ‘H’ maiúsculo. O outro lado desse binômio é a mulher, definida como: emotiva, voltada ao mundo privado da reprodução dos filhos, responsável pelas relações de afeto, sexualmente passiva na sua opressão. Diante dessa confrontação entre os dois modelos de gênero nas relações sociais, tanto na esfera doméstica quanto na pública, todas as vantagens, segundo esses valores dominantes da sociedade individualista, competitiva e monetarizada, pareciam ser dos homens. Sendo assim, a masculinidade é uma construção social, que nos mais diferentes contextos históricos e culturais, é percebida e vivenciada de forma diferenciada. Nesse sentido, situada no âmbito do gênero, a masculinidade representa um conjunto de atributos, valores, funções e condutas que se espera que um homem tenha em uma determinada cultura. Este modelo de masculinidade hegemônica e “patriarcal” têm impacto sobre os homens podendo trazer como conseqüências uma pressão no nível individual e nas grandes estruturas sociais, políticas, econômicas e ideológicas baseadas na hierarquia e nos privilégios.
Os homens são marcados e brutalizados pelo mesmo sistema que os dá privilégios e poder, a vida cotidiana de sociedades de classe industrializadas é de violência disfarçada de racionalidade econômica, portanto, enquanto alguns são tratados como extensões de máquinas, outros são como cérebros separados de corpos. Neste contexto, há uma “tríade de violência” – de homem contra mulheres, contra outros homens e contra si mesmo – que reflete a violência cotidiana de uma sociedade de classes hierárquica, autoritária, sexista, classista, militarista, racista, impessoal e louca canalizada através de um homem individual. Isso implica que a masculinidade requer a supressão de muitas necessidades, sentimentos e formas de expressão, o que faz desta construção social aterrorizadoramente frágil, em que o resultado é uma “tensão” entre ser macho e ser masculino, capaz de manter uma insegurança constante nos homens, e impulsionar tanto a auto-desvalorização como reações violentas contra outros/as.
Outro ponto importante relacionado à sexualidade masculina é a pornografia, contextualizada na sociedade capitalista de consumo, em que relações humanas são dominadas pela mercantilização; o capitalismo produz, onde puder, objetos para consumo sexual e transforma em objetos os sujeitos da sexualidade. Na caracterização hegemônica do masculino, o binarismo “passivo/ativo” proíbe e suprime a passividade nos homens, portanto a fascinação com a pornografia que oferece além de um objeto sexual passivo, uma oportunidade de os homens terem prazer sexual de forma passiva, desta forma, compondo um mercado insaciável. Os danos provocados não atingem apenas aos homens, a raiz do problema é uma cultura patriarcal, orientada ao lucro, produtora de mercadorias, que reprime a polissexualidade e superimpõe a masculinidade e a feminilidade ao dualismo ativo/passivo; estas são as fontes últimas da degradação sexual.
Uma sociedade que subordina as relações humanas à busca do lucro e à ambição individual não permite uma distinção entre a família e as relações sexuais do trabalho e produção. Desta forma, a construção do gênero masculino a partir da sua identificação com a razão o direciona para competir, na esfera pública, pressionados a encarar sua porção deste modelo binário, traduzida em independência e auto-suficiência masculina, o que os leva a desvalorizar ou negar necessidades afetivas em nome desta “razão social”. Portanto, é o preço pago para assumir essa identidade, porém as emoções e sentimentos são fontes importantes de dignidade e integridade humana, negá-los condiciona o homem a um ser fragmentado, dividido em si. Tentar ser o homem competitivo, racional, ambicioso, forte e independente, muitas vezes significa distorcer as sensibilidades e matar emoções, fazer dos corpos máquinas insensíveis que possa ser controlada, assim, os homens são treinados desde pequenos para se identificar com a ética do trabalho capitalista muito mais que as mulheres.
A imagem da masculinidade hegemônica não corresponde necessariamente às características dos homens mais poderosos de fato, pois ela representa apenas a face pública dessa masculinidade, pois é aquilo que sustenta o seu poder e aquilo que muitos homens estão motivados a apoiar. Construída em relação a mulheres e outras masculinidades, referente a grupos dominados, a masculinidade hegemônica as oculta e as subordina, embora não as elimine por completo. Embora não represente a maneira de ser nem dos homens da elite nem dos homens subordinados, a função ideológica deste modelo explicitado, a cumplicidade de todos com a masculinidade hegemônica, explica-se pelo fato de que é a expressão cultural da sua dominação sobre as mulheres, o que legitima e naturaliza práticas de subordinação.
As considerações sobre masculinidade hegemônica são subsídios para a discussão da violência cometida contra a mulher, como também da violência contra outras formas de masculinidade. Ela é uma violência simbólica, ou seja, mecanismos sutis de dominação e exclusão social, sendo incorporada pelos sujeitos sem que a percebam. Assim, as relações de dominação são adquiridas não só pelo indivíduo que se julga superior na relação como, também, pelos dominados sem que, em grande parte dos casos, sejam questionadas.
Deste modo, o modelo de masculinidade de construção cultural, tem como eixo central o poder, estruturado a partir da noção de que o masculino é superior ao feminino, contribui para que homens exerçam a dominação sobre as mulheres. Nessa ordem social, através de um processo de violência simbólica, as mulheres não só passam ser a pensadas por meio de uma lógica externa a elas, como também são investidas na função de contribuir para perpetuar ou aumentar o poder dos homens. Deste modo, os dominados contribuírem com a sua própria dominação e o fato de ter consciência da dominação e dos mecanismos de violência simbólica nem sempre é suficiente para se combater ou superar determinados estados de coisas. Assim, são inúmeros os casos de mulheres que suportam as situações de violência por um longo período e muitas nunca chegam a denunciar seus companheiros, seja por vergonha ou medo de perder seu provedor e ficarem desamparadas.
A biologia muitas vezes é apontada como a principal causa da violência masculina, porém deve ficar claro que os aspectos biológicos têm um papel mínimo na explicação do comportamento violento, são os fatores sociais e culturais os responsáveis de fato pelo comportamento violento de alguns homens, ou seja, eles não são ‘naturalmente’ ou biologicamente mais violentos, eles aprendem a ser violentos. Os homens são, via de regra, socializados para reprimir suas emoções, sendo a raiva e até a violência física umas das formas socialmente aceitas para que eles expressam seus sentimentos.
Todos nós somos produtos da construção social que encontramos no meio onde vivemos, porém, como cada um se relaciona de modos diferentes com os símbolos que recebem, também agimos de modo diferente. O goleiro Bruno é fruto da sociedade em que se formou, fruto dos símbolos que foram incorporados e precisa manter uma imagem pública. Seja o que for que o levou a cometer a atrocidade da qual está sendo julgado, tanto pela justiça quanto pela sociedade que lhe forneceu os símbolos para sua construção moral, uma coisa é certa, nela está envolvida a relação de poder que gira em torno do jogador, a áurea glorificadora que envolve um jogador de futebol que consegue projeção, tornando-se ídolo e conseguindo dinheiro para obter tudo do qual foi privado até então, sem falar no fascínio que produz em algumas mulheres. Esses fatores fazem com que os limites se expandam, lhe é permissível fazer coisas que antes ele não tinha acesso. Porém, há um outro lado, Bruno precisa manter a posição que ocupa dentro da sociedade, a posição de ídolo, de marido e de profissional, isso fez com que fosse levado a uma medida extrema por julgar ameaçada sua identidade simbólica dominante.
Do outro lado temos a vítima, Elisa, fascinada pela imagem simbólica que o goleiro representava, se deixou seduzir pela ocasião. Também foram os símbolos atribuídos a posição da mulher na sociedade que a levou engravidar de um jogador de futebol e passar a exigir seus direitos. Mesmo estando em posição de desvantagem e Bruno, anteriormente, já a tendo tratado com violência, ela o foi procurar levando a mente a construção masculina que recebeu do meio social que identifica o homem como provedor e como tal deve garantir a seu filho recursos financeiros e um nome que lhe possibilite um futuro.
Neste caso todos perderam, ela a vida e ele é culpado do crime cometido. Que este crime sirva de lição a sociedade e contribua na construção de identidades de gênero que favoreçam uma sociedade mais igualitária. Importantes mudanças estão sendo alcançadas na transformação do masculino como gênero através da desconstrução da masculinidade hegemônica e a incorporação de novos valores, claro que isto não significa precisamente que esteja havendo um distanciamento da dominação masculina, pois ao colocar em xeque a masculinidade pode-se provocar uma reação contrária à pretendida. Porém, deve-se entender que o processo de configuração de práticas é algo dinâmico, muitas vezes cíclico, assim avanços importantes estão sendo alcançados, mas a dominação masculina, manifestada através da violência contra a mulher, está longe de ter um fim, este será um conflito que deve ser vencido através da disseminação cultural e os veículos comunicativos de mídia são algumas das ferramentas importantes para que se modifique a construção social de gênero, isso tornou-se possível dada a abordagem de que as estruturas sociais estão configuradas nas relações entre os gêneros por processos históricos e não biológicos, portanto viabilizando as estratégias de mudança focalizando na vida cotidiana e atuando na transformação da cultura incorporada ao longo da história.
Referências:
Cecchetto, Fátima Regina, Violência e Estilos de Masculinidade, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2004.
Giffin, Karen, A Inserção dos Homens nos Estudos de Gênero: Contribuições de um Sujeito Histórico, Ciência e Saúde Coletiva, ano 10, vol. 001, Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 2005.
Gomes, Romeu. (2008). A Dimensão Simbólica da Violência de Gênero: uma discussão introdutória. Athenea Digital, 14, 237-243. Disponible em:
A violência de gênero, segundo as Nações Unidas, se refere ao ato que venha a resultar num dano físico, sexual ou psicológico e sofrimento para as mulheres, incluindo as ameaças, coerção ou privações arbitrárias de liberdade, que ocorrem no âmbito público ou privado. Este tipo de violência é resultado da construção social da masculinidade, termo que reporta a significados culturais pessoais remetidos ideologicamente para o terreno da essência dos ‘homens’ através de processos metafóricos aplicáveis às interações humanas na vida social.
Gênero se refere às formas como nos comportamos e agimos perante a sociedade, tornando-nos homens e mulheres, e à forma como estes papéis e modelos, geralmente estereótipos, são internalizados. Deste modo, é comum assumir que determinados comportamentos são da “natureza do homem”. Contudo, geralmente, a violência praticada pelos homens e o comportamento desrespeitoso em relação à sua parceira, estão relacionados à forma como as famílias e a sociedade educam os indivíduos.
Muitas sociedades promovem a idéia de que ser homem significa ser provedor e protetor através do incentivo a agressividade e a competitividade por parte destes como sendo úteis ao seu posicionamento neste papel, ao mesmo tempo, este tipo de cultura pode levar as mulheres a aceitarem a dominação masculina. Restando aos homens que venham mostrar interesse em executar tarefas domésticas e que demonstram suas emoções, por vezes, serem ridicularizados e estigmatizados como sendo “viadinhos”.
Assim, ao longo da história a masculinidade prevaleceu como detentora de características universalizantes e inalteráveis, em que se sobressaía o modelo de homem empreendedor, guerreiro, provedor, entre outros. Isso porque os atributos associados à diferença entre homens e mulheres eram baseados na biologia. Somente diante das lutas feministas por uma igualdade entre os sexos que operaram transformações na sociedade tendo como conseqüência uma maior participação das mulheres na esfera pública, a partir das décadas de 1960 e 1970, que ocorreu a desestabilização nas representações do gênero masculino e passou a ter sentido questionar, além das características determinadas pela biologia: “o que é ser homem?”
Diante do surgimento dessa questão emblemática, constata-se que existe permeado na sociedade um modelo hegemônico da masculinidade que se estrutura por meio dos eixos da heterossexualidade e da dominação, proveniente da concepção da superioridade masculina através da história e sobre o mundo heterossexuado que atravessa as relações homens/mulheres e homens/homens. A hegemonia passa pela associação de características relacionadas a um modelo predominante de gênero, isto é, ser homem é não ser mulher. Nesse sentido, predominam idéias opostas ao que se julga pertencer às mulheres para definir o que é ser homem, passando também pela representação do ser provedor, articulando duas esferas concretas: o trabalho e a família, constituindo-se como duas instâncias de referência para a inserção e o reconhecimento de ser homem. Essa representação reflete a idéia de que a identidade de ser homem se ancora na sustentabilidade/materialidade fornecida pelo trabalho, para atingir o seu destino de formar uma família. Essa caracterização encontra-se presente na construção cultural do homem exercendo neles uma forma de controle social desde os primeiros passos de sua educação, obriga-os a serem viris, mostrarem-se superiores, fortes, competitivos, ou serão tratados como os fracos e como as mulheres.
Significar não ser como as mulheres, pode levar a condutas exageradamente masculinas instaurando uma insegurança crônica sobre a identidade do gênero que precisa ser resolvida perante outros homens. Deste modo, a masculinidade é dependente da aprovação de outros homens, portanto a emoção que se destaca é o medo, situando a homofobia como princípio organizador da definição de virilidade. A este processo pertence uma dinâmica onde o medo leva à vergonha, ao silêncio, e à violenta afirmação da masculinidade. Nesse contexto, as mulheres e os homens homossexuais são “outros” destacados desta identidade heterossexual.
Então, o modelo hegemônico do masculino é definido como sendo uma construção opositiva a um modelo, também hegemônico, feminino carregado de parâmetros como: racional, ativo no público, provedor, sexualmente “irresponsável”, poderoso, universalizado na sua dominação, Homem com ‘H’ maiúsculo. O outro lado desse binômio é a mulher, definida como: emotiva, voltada ao mundo privado da reprodução dos filhos, responsável pelas relações de afeto, sexualmente passiva na sua opressão. Diante dessa confrontação entre os dois modelos de gênero nas relações sociais, tanto na esfera doméstica quanto na pública, todas as vantagens, segundo esses valores dominantes da sociedade individualista, competitiva e monetarizada, pareciam ser dos homens. Sendo assim, a masculinidade é uma construção social, que nos mais diferentes contextos históricos e culturais, é percebida e vivenciada de forma diferenciada. Nesse sentido, situada no âmbito do gênero, a masculinidade representa um conjunto de atributos, valores, funções e condutas que se espera que um homem tenha em uma determinada cultura. Este modelo de masculinidade hegemônica e “patriarcal” têm impacto sobre os homens podendo trazer como conseqüências uma pressão no nível individual e nas grandes estruturas sociais, políticas, econômicas e ideológicas baseadas na hierarquia e nos privilégios.
Os homens são marcados e brutalizados pelo mesmo sistema que os dá privilégios e poder, a vida cotidiana de sociedades de classe industrializadas é de violência disfarçada de racionalidade econômica, portanto, enquanto alguns são tratados como extensões de máquinas, outros são como cérebros separados de corpos. Neste contexto, há uma “tríade de violência” – de homem contra mulheres, contra outros homens e contra si mesmo – que reflete a violência cotidiana de uma sociedade de classes hierárquica, autoritária, sexista, classista, militarista, racista, impessoal e louca canalizada através de um homem individual. Isso implica que a masculinidade requer a supressão de muitas necessidades, sentimentos e formas de expressão, o que faz desta construção social aterrorizadoramente frágil, em que o resultado é uma “tensão” entre ser macho e ser masculino, capaz de manter uma insegurança constante nos homens, e impulsionar tanto a auto-desvalorização como reações violentas contra outros/as.
Outro ponto importante relacionado à sexualidade masculina é a pornografia, contextualizada na sociedade capitalista de consumo, em que relações humanas são dominadas pela mercantilização; o capitalismo produz, onde puder, objetos para consumo sexual e transforma em objetos os sujeitos da sexualidade. Na caracterização hegemônica do masculino, o binarismo “passivo/ativo” proíbe e suprime a passividade nos homens, portanto a fascinação com a pornografia que oferece além de um objeto sexual passivo, uma oportunidade de os homens terem prazer sexual de forma passiva, desta forma, compondo um mercado insaciável. Os danos provocados não atingem apenas aos homens, a raiz do problema é uma cultura patriarcal, orientada ao lucro, produtora de mercadorias, que reprime a polissexualidade e superimpõe a masculinidade e a feminilidade ao dualismo ativo/passivo; estas são as fontes últimas da degradação sexual.
Uma sociedade que subordina as relações humanas à busca do lucro e à ambição individual não permite uma distinção entre a família e as relações sexuais do trabalho e produção. Desta forma, a construção do gênero masculino a partir da sua identificação com a razão o direciona para competir, na esfera pública, pressionados a encarar sua porção deste modelo binário, traduzida em independência e auto-suficiência masculina, o que os leva a desvalorizar ou negar necessidades afetivas em nome desta “razão social”. Portanto, é o preço pago para assumir essa identidade, porém as emoções e sentimentos são fontes importantes de dignidade e integridade humana, negá-los condiciona o homem a um ser fragmentado, dividido em si. Tentar ser o homem competitivo, racional, ambicioso, forte e independente, muitas vezes significa distorcer as sensibilidades e matar emoções, fazer dos corpos máquinas insensíveis que possa ser controlada, assim, os homens são treinados desde pequenos para se identificar com a ética do trabalho capitalista muito mais que as mulheres.
A imagem da masculinidade hegemônica não corresponde necessariamente às características dos homens mais poderosos de fato, pois ela representa apenas a face pública dessa masculinidade, pois é aquilo que sustenta o seu poder e aquilo que muitos homens estão motivados a apoiar. Construída em relação a mulheres e outras masculinidades, referente a grupos dominados, a masculinidade hegemônica as oculta e as subordina, embora não as elimine por completo. Embora não represente a maneira de ser nem dos homens da elite nem dos homens subordinados, a função ideológica deste modelo explicitado, a cumplicidade de todos com a masculinidade hegemônica, explica-se pelo fato de que é a expressão cultural da sua dominação sobre as mulheres, o que legitima e naturaliza práticas de subordinação.
As considerações sobre masculinidade hegemônica são subsídios para a discussão da violência cometida contra a mulher, como também da violência contra outras formas de masculinidade. Ela é uma violência simbólica, ou seja, mecanismos sutis de dominação e exclusão social, sendo incorporada pelos sujeitos sem que a percebam. Assim, as relações de dominação são adquiridas não só pelo indivíduo que se julga superior na relação como, também, pelos dominados sem que, em grande parte dos casos, sejam questionadas.
Deste modo, o modelo de masculinidade de construção cultural, tem como eixo central o poder, estruturado a partir da noção de que o masculino é superior ao feminino, contribui para que homens exerçam a dominação sobre as mulheres. Nessa ordem social, através de um processo de violência simbólica, as mulheres não só passam ser a pensadas por meio de uma lógica externa a elas, como também são investidas na função de contribuir para perpetuar ou aumentar o poder dos homens. Deste modo, os dominados contribuírem com a sua própria dominação e o fato de ter consciência da dominação e dos mecanismos de violência simbólica nem sempre é suficiente para se combater ou superar determinados estados de coisas. Assim, são inúmeros os casos de mulheres que suportam as situações de violência por um longo período e muitas nunca chegam a denunciar seus companheiros, seja por vergonha ou medo de perder seu provedor e ficarem desamparadas.
A biologia muitas vezes é apontada como a principal causa da violência masculina, porém deve ficar claro que os aspectos biológicos têm um papel mínimo na explicação do comportamento violento, são os fatores sociais e culturais os responsáveis de fato pelo comportamento violento de alguns homens, ou seja, eles não são ‘naturalmente’ ou biologicamente mais violentos, eles aprendem a ser violentos. Os homens são, via de regra, socializados para reprimir suas emoções, sendo a raiva e até a violência física umas das formas socialmente aceitas para que eles expressam seus sentimentos.
Todos nós somos produtos da construção social que encontramos no meio onde vivemos, porém, como cada um se relaciona de modos diferentes com os símbolos que recebem, também agimos de modo diferente. O goleiro Bruno é fruto da sociedade em que se formou, fruto dos símbolos que foram incorporados e precisa manter uma imagem pública. Seja o que for que o levou a cometer a atrocidade da qual está sendo julgado, tanto pela justiça quanto pela sociedade que lhe forneceu os símbolos para sua construção moral, uma coisa é certa, nela está envolvida a relação de poder que gira em torno do jogador, a áurea glorificadora que envolve um jogador de futebol que consegue projeção, tornando-se ídolo e conseguindo dinheiro para obter tudo do qual foi privado até então, sem falar no fascínio que produz em algumas mulheres. Esses fatores fazem com que os limites se expandam, lhe é permissível fazer coisas que antes ele não tinha acesso. Porém, há um outro lado, Bruno precisa manter a posição que ocupa dentro da sociedade, a posição de ídolo, de marido e de profissional, isso fez com que fosse levado a uma medida extrema por julgar ameaçada sua identidade simbólica dominante.
Do outro lado temos a vítima, Elisa, fascinada pela imagem simbólica que o goleiro representava, se deixou seduzir pela ocasião. Também foram os símbolos atribuídos a posição da mulher na sociedade que a levou engravidar de um jogador de futebol e passar a exigir seus direitos. Mesmo estando em posição de desvantagem e Bruno, anteriormente, já a tendo tratado com violência, ela o foi procurar levando a mente a construção masculina que recebeu do meio social que identifica o homem como provedor e como tal deve garantir a seu filho recursos financeiros e um nome que lhe possibilite um futuro.
Neste caso todos perderam, ela a vida e ele é culpado do crime cometido. Que este crime sirva de lição a sociedade e contribua na construção de identidades de gênero que favoreçam uma sociedade mais igualitária. Importantes mudanças estão sendo alcançadas na transformação do masculino como gênero através da desconstrução da masculinidade hegemônica e a incorporação de novos valores, claro que isto não significa precisamente que esteja havendo um distanciamento da dominação masculina, pois ao colocar em xeque a masculinidade pode-se provocar uma reação contrária à pretendida. Porém, deve-se entender que o processo de configuração de práticas é algo dinâmico, muitas vezes cíclico, assim avanços importantes estão sendo alcançados, mas a dominação masculina, manifestada através da violência contra a mulher, está longe de ter um fim, este será um conflito que deve ser vencido através da disseminação cultural e os veículos comunicativos de mídia são algumas das ferramentas importantes para que se modifique a construção social de gênero, isso tornou-se possível dada a abordagem de que as estruturas sociais estão configuradas nas relações entre os gêneros por processos históricos e não biológicos, portanto viabilizando as estratégias de mudança focalizando na vida cotidiana e atuando na transformação da cultura incorporada ao longo da história.
Referências:
Cecchetto, Fátima Regina, Violência e Estilos de Masculinidade, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2004.
Giffin, Karen, A Inserção dos Homens nos Estudos de Gênero: Contribuições de um Sujeito Histórico, Ciência e Saúde Coletiva, ano 10, vol. 001, Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 2005.
Gomes, Romeu. (2008). A Dimensão Simbólica da Violência de Gênero: uma discussão introdutória. Athenea Digital, 14, 237-243. Disponible em:
http://psicologiasocial.uab.es/athenea/index.php/atheneaDigital/article/view/520
Pires, Vera Lúcia, Do machismo ao gênero: as relações dialéticas entre as feminilidades e as masculinidades transformaram mulheres e homens?, Sobre gênero e preconceitos: Estudos em análise crítica do discurso – ST 2, UFSM, agosto de 2006.
http://www.promundo.org.br/
http://www.lacobranco.org.br/index.php
http://www.homenspelofimdaviolencia.com.br/
Pires, Vera Lúcia, Do machismo ao gênero: as relações dialéticas entre as feminilidades e as masculinidades transformaram mulheres e homens?, Sobre gênero e preconceitos: Estudos em análise crítica do discurso – ST 2, UFSM, agosto de 2006.
http://www.promundo.org.br/
http://www.lacobranco.org.br/index.php
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