quarta-feira, 23 de maio de 2012

Atualidade: Por Que a Questão Ambiental e a Social São Discutidas em Conjunto?


Se lançarmos um olhar atento para o mundo em que vivemos não é difícil perceber que o ambiente ao nosso redor nos convida a consumir. Se focarmos nosso olhar a este propósito e isolarmos esta questão das outras esferas da vida, teremos a impressão de estarmos dentro de um templo mágico do consumo, onde tudo está ao alcance de nossas carteiras, de nosso cartão de crédito, que tudo está à venda, do luxo ao nosso lazer, e sentimos uma vontade imensa de possuí-los, pois é tudo que queremos e precisamos para sermos felizes.

Uma das justificativas para a incessante expansão do consumo na sociedade é a necessidade e a sensação de aumento do bem-estar material. Em tese, os efeitos benéficos de uma economia voltada para o alto consumo seriam globais dado que além de haver o progresso material para cada pessoa individualmente, também ocorreria o fim da pobreza e das privações para todos, uma vez que aumentar a disponibilidade de produtos representaria uma alternativa para a redistribuição e talvez até mesmo o fim das desigualdades.

Esse modelo, com alto nível de consumo, não é igualmente distribuído por todo o planeta, está concentrado, principalmente, nos países mais desenvolvidos. No entanto, ele ultrapassa fronteiras na medida em que o padrão de vida, principalmente o dos EUA, tido como “maravilha do mundo”, chega às outras nações como referência diretiva para onde se deve ir. A “maravilha” contida em tal padrão deve-se a suposição de “um estilo de vida baseado em um conforto material que se estrutura através da acumulação de bens”*. Deste modo, viver uma vida mais confortável é possível através da acumulação de bens, assim, a produção com suas inovações infinitas passou a ser indispensável na satisfação das necessidades, mesmo que os efeitos colaterais sejam perversos. Entretanto, a globalização esperada do bem-estar material não foi verificada, pois temos o acesso a um consumo exacerbado por poucos, o qual supera em muito as necessidades de um homem comum e, por outro lado, não houve uma distribuição da produção que atingisse os consumidores globalmente. Assim, os que foram atingidos e puderam usufruir desse aumento nos padrões de consumo tanto em quantidade quanto na variedade e sofisticação das inovações conseguem gozar de um bem estar ímpar na história da humanidade.

À medida que a riqueza e a tecnologia progridem no mundo melhoram também o bem-estar da grande maioria da população. Hoje, na média, as pessoas vivem mais, são mais saudáveis e mais instruídas, graças ao maior acesso a bens de consumo que facilitam a vida como os eletrodomésticos, transporte, avanço da medicina, acesso à cultura, ao entretenimento, etc. Além do uso em si, a mercadoria vem agregada com um conteúdo simbólico que permite que o indivíduo sinta-se melhor consigo mesmo e perante a sociedade.

A questão é que nem todos vivemos desse modo, a tecnologia não melhorou a vida para muitos, existe uma massa populacional que para sobreviver ainda depende da sua própria energia muscular para arar e colher com as próprias mãos, não desfrutam do conforto que toda tecnologia é capaz de oferecer, sobrevivem sem o acesso ao padrão de consumo disponível à sociedade capitalista ocidental a qual, justamente, só dispõe de tantos recursos porque para a maioria este acesso não é possível.

Assim, o atual padrão de consumo da pequena parte da população mundial mais abastada não pode ser generalizável globalmente, mas isto não é maciçamente perceptível e vem sendo adotado como meta, como ponto de chegada, como objetivo pelo restante da população mundial como sendo supostamente alcançável a todos. Esse consumo exacerbado de poucos só é possível justamente por ser excludente, ocorre somente porque uma parcela ínfima tem acesso a ele; sendo assim, ele ainda é, de certo modo, sustentável. Como não é amplamente perceptível que todas as pessoas da sociedade não podem atingir esse alto padrão de consumo, tido como modelo, individualmente as pessoas tendem a acreditar que podem chegar lá, então, esta crença individual, se torna a força motriz dos desejos de consumo para a sociedade. Assim, o fato de não ser generalizável, fazendo com que poucos o desfrutem, o próprio padrão de consumo elevado, tão distante da maioria das pessoas, é objetivo e meio, ou seja, atua como uma fonte alimentadora da crença de que pode ser alcançado.

Tendo isso em mente, percebemos que vivemos num mundo com abismos de desenvolvimento gritantes, onde os que estão muito aquém das economias desenvolvidas almejam se aproximar delas. Então, basta pensar que, mesmo que não as alcance, a simples busca por chegar os levará a atingir algum desenvolvimento além do que possuem hoje, portanto, se nada for feito, em 2050 alguns países emergentes terão incrementado seu capital fixo embasado nas tecnologias atuais, sustentados por uma matriz energética que ocasiona o aquecimento global, somando-se a capacidade poluidora já existente. Deve-se considerar, também, um aumento na demanda por comida até 2050, porque parte da população mundial não consome o que gostaria e consumiria muito mais se tivesse mais renda.

Apesar do crescente aumento no consumo mundial as desigualdades entre ricos e pobres também vem crescendo, é provável que os ricos se tornem cada vez mais ricos. O que se verifica é um hiato cada vez maior, hoje, a maior parte dos povos do mundo vivem sem as condições mínimas de subsistência e a questão, para eles, fundamental é ter condições para que possam ao menos sobreviver. Porém, que opções se apresentam aos países que sofreram a deformação do subdesenvolvimento diante das contradições do sistema capitalista que para se sustentar depende dos fatores que o destroem e que a tendência atual agrega mais um, a indisponibilidade de recursos naturais infinitos e a conseqüente degradação ambiental?

A percepção da situação se torna ainda mais grave quando se pensa que grande parte das pessoas, sem acesso às mínimas condições de sobrevivência, vivem em países que possuem grandes estoques de recursos naturais, mas aos quais eles não tem acesso, pois eles são explorados para sustentar as pessoas que vivem em países com um elevado padrão de consumo.

Portanto, surge, então, a necessidade de se pensar numa democracia ecológica que equacione a atual injustiça social que está relacionada com uma espécie de "injustiça ecológica", na qual, o ser humano mais agredido é o pobre. Os excluídos do sistema têm seu acesso aos bens naturais indispensáveis à vida distorcidos pelas relações não democráticas de distribuição, controle e gestão destes bens. O agravante é que esta distorção não é pontual no tempo, ela é decorrente do usufruto ao longo dos séculos pelos países do centro, sendo, portanto, necessário que seja estabelecida uma solidariedade generacional ou diacrônica com as futuras gerações, além da solidariedade sincrônica com as gerações presentes.

Sendo assim, a idéia de que os atuais padrões de consumo dos países ricos se projetarão para toda a humanidade em escala planetária não é possível dentro das possibilidades evolutivas aparentes do sistema. Esta hipótese vai de encontro com a orientação geral do atual desenvolvimento que se realiza no conjunto do sistema, o que se observa como resultado prático é a exclusão das grandes massas que vivem nos países periféricos privados dos benefícios trazidos pelo desenvolvimento.

“O custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco a sobrevivência da espécie humana. Temos assim a prova cabal de que o desenvolvimento econômico – a idéia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que forma o atual centro do sistema capitalista”.** Portanto, a sustentabilidade não significa somente a produção de artigos que respeitem o meio ambiente, a mitigação dos males já causados, a diminuição da emissão de poluição, significa também promover a diminuição do desequilíbrio social, por isso, ambas as questões, andam juntas. Não é possível uma solução para o problema ambiental sem se pensar na miséria que atinge uma grande parte da população mundial, um problema muito mais antigo.

Como os padrões de consumo atuais, adotados pelos países desenvolvidos, não podem ser generalizáveis globalmente, pois este só é possível, justamente, graças à exclusão, ou seja, ao fato de que maior parte da população mundial não tem acesso a estes padrões e, portanto, só assim ele é momentaneamente sustentável, percebe-se que são muitos os fatores que tornam a questão das mudanças climáticas um tema tão complexo, porque no momento atual ele representa nada menos que o esgotamento de um estilo de desenvolvimento que tem se revelado ecologicamente depredador, socialmente perverso e politicamente injusto.

*   Cohen, 2002: 88 (ver referências abaixo)
** Furtado, 1996: 89 (ver referências abaixo)


Referências:

BARROS-PLATIAU, A. F.. Os atores da governança ambiental à luz das novas configurações de poder. In: I Encontro Nacional ABRI, 2007, Brasília. I Encontro Nacional ABRI, 2007.

COHEN, Claude Adélia Moema Jeanne; Padrões de Consumo: Desenvolvimento, Meio-Ambiente e Energia no Brasil, Tese, UFRJ, Rio de Janeiro, 2002.

FURTADO, Celso; O Mito do Desenvolvimento Econômico, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1996.

PORTILHO, Fátima; Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania, Cortez Editora, São Paulo, 2005.

SILVA, Alberto Teixeira da; Brasil e Desafios Multidimensionais das Mudanças Climáticas, 31º Encontro Anual da ANPOCS, outubro de 2007.


Para Saber Mais Sobre a Rio + 20:





domingo, 13 de maio de 2012

Atualidade: Rio + 20


A Terra conta com um frágil equilíbrio em que cada ser tem seu papel a desempenhar, cada um só existe graças à existência do outro, uma harmonia sutil, frágil e facilmente quebrada. Aqui também estamos nós, o homo sapiens, parte de um todo, mas o único que conquistou o território como nenhuma outra espécie e tem mudado a face do planeta, moldando-o a seus propósitos civilizatórios.

Durante toda existência humana temos procurado formas de sobreviver de modo que possamos suprir nossas necessidades com o maior conforto possível. Entretanto, sempre tivemos que trabalhar duro usando a energia dos nossos músculos para caçar, arar, colher e construir. Somente a partir da revolução industrial foi possível desenvolver tecnologia para obter um conforto jamais visto, porém, os avanços alcançados não chegaram para todos e muitos continuam vivendo privados de recursos, sem os alimentos necessários à vida e o conforto alcançado por parte da civilização. Por outro lado, a parte de nós que conseguiu uma vida melhor, nunca necessitou tanto de coisas, que, por sua vez, necessitam dos recursos do planeta para serem produzidas, e nunca, em toda nossa existência, fomos tantos em número sobre a face da Terra como agora.

Deste modo, o surgimento do sistema capitalista e atual modo de vida ocidental provocaram uma pressão pelos recursos naturais do planeta nunca visto em nenhuma outra época, ou seja, apenas no curto período do último século, nosso estilo de vida foi responsável pela degradação ambiental que está pondo em risco nossa sobrevivência.

A problemática ambiental se tornou tema de estudo em todo o mundo e perpassa várias esferas: a física, a tecnológica, a biológica, a climatológica, a política, a econômica, a humana, etc. Portanto, há muito tempo o aquecimento global deixou de ser apenas uma questão ambiental, ganhando um contorno mais amplo tornando-se um tema, principalmente, para a política internacional. A certeza de que as causas do fenômeno são as emissões antropogênicas dos gases do efeito estufa (GEE) é praticamente uma unanimidade na comunidade científica e comprovada pelos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climática, sigla em inglês). Desse modo, a questão deixa de ser um debate meramente científico e passa a fazer parte da pauta das discussões no âmbito das relações internacionais, composta por atores estatais e privados, sendo eles os Estados, os organismos internacionais, as ONGs, as empresas, a sociedade e quem estiver envolvido de algum modo com o tema.

Nem sempre foi assim, a consciência ambiental que temos hoje – que se tornou corriqueira em atitudes como quando transportamos nossas compras sem utilizar sacolas plásticas ou quando jogamos nosso lixo em lixeiras coloridas – é bem recente na história da humanidade. Somente em 1972 foi realizada a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo, a primeira a associar de forma consistente questões ambientais ao Desenvolvimento Sustentável na pauta internacional. Desde então, o mundo começou a criar convenções, protocolos, declarações e legislações nacionais para reverter este quadro que se apresentava cada vez mais trágico devido às condições ambientais e os desequilíbrios socioeconômicos entre países.

Como principais instrumentos do regime de monitoramento e enfrentamento do processo de mudanças climáticas citam-se a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, assinada no Rio de Janeiro em junho de 1992, e o Protocolo de Kyoto, assinado na cidade japonesa com este nome, em dezembro de 1997. O Protocolo de Kyoto dividiu os países em dois grupos: os pertencentes (membros da OECD e países do ex-bloco comunista do Leste Europeu) e os não pertencentes ao Anexo Um. De acordo com o Protocolo, os países do Anexo Um têm compromissos obrigatórios de redução de emissão de gases do efeito estufa em relação aos níveis de 1990, enquanto que os países não pertencentes ao Anexo Um não tem metas iniciais, podendo vir a ter no futuro.

Assim, a Rio-92 foi um grande debate com ampla participação que selou os acordos políticos entre os países e gerou documentos com princípios e agendas para o desenvolvimento sustentável. Participaram do evento 172 países, 108 chefes de Estado, 2400 representantes da sociedade civil e 17 mil ativistas no Fórum Global, evento paralelo promovido por ONGs.

A Rio + 20 surgiu em 2007 de uma proposta do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como o próprio nome sugere, será uma Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável vinte anos após aquela de 1992, novamente será realizada na cidade do Rio de Janeiro, e visa a renovar o engajamento dos líderes mundiais com o desenvolvimento sustentável do planeta. O site Radar Rio + 20 apresenta os principais temas que serão abordados na Conferência e tem um histórico completo sobre os esforços de diferentes atores sociais de todo o mundo realizados nos últimos 50 anos na tentativa de promover um desenvolvimento mundial mais sustentável.

Entretanto, este grande evento que reunirá o mundo todo, representado de diversos modos, nos mostrará que para atingirmos um desenvolvimento mais sustentável não depende apenas de ações e decisões dos nossos representantes legais e governantes, ele também é uma oportunidade de fazermos uma reavaliação de nosso próprio comportamento e uma avaliação da sociedade que queremos, estimulando que repensemos nossa forma de agir, o que estamos consumindo, nossas reais necessidades, nossos hábitos, nossa posição na sociedade e a imagem que queremos ter. Esta é uma oportunidade única que temos para, não só nos pensarmos como indivíduos, mas para uma profunda reflexão sobre a civilização que estamos construindo e sobre o tipo de sociedade que queremos para nosso futuro.

Para saber mais:




PORTILHO, Fátima; Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania, Cortez Editora, São Paulo, 2005.

PAIXÃO, Manuela Rocha; Como os padrões de desenvolvimento sociais e de consumo atuais interferem nas relações do homem com o Meio Ambiente, UNIBAHIA, 2009.
http://www.webartigos.com/articles/24589/1/Consumo-x-Meio-Ambiente/pagina1.html

Filmes sobre o tema:

An Inconveniente Truth (Uma Verdade Inconveniente) – Al Gore, documentário com direção de Davis Guggenheim, Lawrence Bender Productions / Participant Productions, Paramount Classics / UIP, 2006.

Home (Nosso Planeta, Nossa Casa) - Yann Arthus-Bertrand, documentário, 2009.