Se lançarmos um olhar atento para
o mundo em que vivemos não é difícil perceber que o ambiente ao nosso redor nos
convida a consumir. Se focarmos nosso olhar a este propósito e isolarmos esta
questão das outras esferas da vida, teremos a impressão de estarmos dentro de
um templo mágico do consumo, onde tudo está ao alcance de nossas carteiras, de
nosso cartão de crédito, que tudo está à venda, do luxo ao nosso lazer, e
sentimos uma vontade imensa de possuí-los, pois é tudo que queremos e
precisamos para sermos felizes.
Uma das justificativas para a
incessante expansão do consumo na sociedade é a necessidade e a sensação de
aumento do bem-estar material. Em tese, os efeitos benéficos de uma economia voltada
para o alto consumo seriam globais dado que além de haver o progresso material
para cada pessoa individualmente, também ocorreria o fim da pobreza e das
privações para todos, uma vez que aumentar a disponibilidade de produtos representaria
uma alternativa para a redistribuição e talvez até mesmo o fim das
desigualdades.
Esse modelo, com alto nível de
consumo, não é igualmente distribuído por todo o planeta, está concentrado,
principalmente, nos países mais desenvolvidos. No entanto, ele ultrapassa
fronteiras na medida em que o padrão de vida, principalmente o dos EUA, tido
como “maravilha do mundo”, chega às outras nações como referência diretiva para
onde se deve ir. A “maravilha” contida em tal padrão deve-se a suposição de “um
estilo de vida baseado em um conforto material que se estrutura através da
acumulação de bens”*. Deste modo, viver uma vida mais confortável é possível
através da acumulação de bens, assim, a produção com suas inovações infinitas passou
a ser indispensável na satisfação das necessidades, mesmo que os efeitos
colaterais sejam perversos. Entretanto, a globalização esperada do bem-estar
material não foi verificada, pois temos o acesso a um consumo exacerbado por
poucos, o qual supera em muito as necessidades de um homem comum e, por outro
lado, não houve uma distribuição da produção que atingisse os consumidores
globalmente. Assim, os que foram atingidos e puderam usufruir desse aumento nos
padrões de consumo tanto em quantidade quanto na variedade e sofisticação das
inovações conseguem gozar de um bem estar ímpar na história da humanidade.
À medida que a riqueza e a
tecnologia progridem no mundo melhoram também o bem-estar da grande maioria da
população. Hoje, na média, as pessoas vivem mais, são mais saudáveis e mais
instruídas, graças ao maior acesso a bens de consumo que facilitam a vida como
os eletrodomésticos, transporte, avanço da medicina, acesso à cultura, ao
entretenimento, etc. Além do uso em si, a mercadoria vem agregada com um
conteúdo simbólico que permite que o indivíduo sinta-se melhor consigo mesmo e
perante a sociedade.
A questão é que nem todos vivemos
desse modo, a tecnologia não melhorou a vida para muitos, existe uma massa
populacional que para sobreviver ainda depende da sua própria energia muscular
para arar e colher com as próprias mãos, não desfrutam do conforto que toda
tecnologia é capaz de oferecer, sobrevivem sem o acesso ao padrão de consumo
disponível à sociedade capitalista ocidental a qual, justamente, só dispõe de
tantos recursos porque para a maioria este acesso não é possível.
Assim, o atual padrão de consumo
da pequena parte da população mundial mais abastada não pode ser generalizável
globalmente, mas isto não é maciçamente perceptível e vem sendo adotado como
meta, como ponto de chegada, como objetivo pelo restante da população mundial
como sendo supostamente alcançável a todos. Esse consumo exacerbado de poucos
só é possível justamente por ser excludente, ocorre somente porque uma parcela
ínfima tem acesso a ele; sendo assim, ele ainda é, de certo modo, sustentável. Como
não é amplamente perceptível que todas as pessoas da sociedade não podem
atingir esse alto padrão de consumo, tido como modelo, individualmente as
pessoas tendem a acreditar que podem chegar lá, então, esta crença individual,
se torna a força motriz dos desejos de consumo para a sociedade. Assim, o fato
de não ser generalizável, fazendo com que poucos o desfrutem, o próprio padrão
de consumo elevado, tão distante da maioria das pessoas, é objetivo e meio, ou
seja, atua como uma fonte alimentadora da crença de que pode ser alcançado.
Tendo isso em mente, percebemos
que vivemos num mundo com abismos de desenvolvimento gritantes, onde os que
estão muito aquém das economias desenvolvidas almejam se aproximar delas. Então,
basta pensar que, mesmo que não as alcance, a simples busca por chegar os
levará a atingir algum desenvolvimento além do que possuem hoje, portanto, se
nada for feito, em 2050 alguns países emergentes terão incrementado seu capital
fixo embasado nas tecnologias atuais, sustentados por uma matriz energética que
ocasiona o aquecimento global, somando-se a capacidade poluidora já existente.
Deve-se considerar, também, um aumento na demanda por comida até 2050, porque
parte da população mundial não consome o que gostaria e consumiria muito mais
se tivesse mais renda.
Apesar do crescente aumento no
consumo mundial as desigualdades entre ricos e pobres também vem crescendo, é
provável que os ricos se tornem cada vez mais ricos. O que se verifica é um
hiato cada vez maior, hoje, a maior parte dos povos do mundo vivem sem as
condições mínimas de subsistência e a questão, para eles, fundamental é ter
condições para que possam ao menos sobreviver. Porém, que opções se apresentam
aos países que sofreram a deformação do subdesenvolvimento diante das
contradições do sistema capitalista que para se sustentar depende dos fatores
que o destroem e que a tendência atual agrega mais um, a indisponibilidade de
recursos naturais infinitos e a conseqüente degradação ambiental?
A percepção da situação se torna
ainda mais grave quando se pensa que grande parte das pessoas, sem acesso às
mínimas condições de sobrevivência, vivem em países que possuem grandes
estoques de recursos naturais, mas aos quais eles não tem acesso, pois eles são
explorados para sustentar as pessoas que vivem em países com um elevado padrão
de consumo.
Portanto, surge, então, a
necessidade de se pensar numa democracia ecológica que equacione a atual
injustiça social que está relacionada com uma espécie de "injustiça
ecológica", na qual, o ser humano mais agredido é o pobre. Os excluídos do
sistema têm seu acesso aos bens naturais indispensáveis à vida distorcidos
pelas relações não democráticas de distribuição, controle e gestão destes bens.
O agravante é que esta distorção não é pontual no tempo, ela é decorrente do
usufruto ao longo dos séculos pelos países do centro, sendo, portanto,
necessário que seja estabelecida uma solidariedade generacional ou diacrônica
com as futuras gerações, além da solidariedade sincrônica com as gerações
presentes.
Sendo assim, a idéia de que os
atuais padrões de consumo dos países ricos se projetarão para toda a humanidade
em escala planetária não é possível dentro das possibilidades evolutivas
aparentes do sistema. Esta hipótese vai de encontro com a orientação geral do
atual desenvolvimento que se realiza no conjunto do sistema, o que se observa
como resultado prático é a exclusão das grandes massas que vivem nos países
periféricos privados dos benefícios trazidos pelo desenvolvimento.
“O custo, em termos de depredação
do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa
de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização,
pondo em risco a sobrevivência da espécie humana. Temos assim a prova cabal de
que o desenvolvimento econômico – a idéia de que os povos pobres podem algum
dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente
irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia
nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que forma o
atual centro do sistema capitalista”.** Portanto, a sustentabilidade
não significa somente a produção de artigos que respeitem o meio ambiente, a
mitigação dos males já causados, a diminuição da emissão de poluição, significa
também promover a diminuição do desequilíbrio social, por isso, ambas as
questões, andam juntas. Não é possível uma solução para o problema ambiental
sem se pensar na miséria que atinge uma grande parte da população mundial, um
problema muito mais antigo.
Como os padrões de consumo
atuais, adotados pelos países desenvolvidos, não podem ser generalizáveis
globalmente, pois este só é possível, justamente, graças à exclusão, ou seja,
ao fato de que maior parte da população mundial não tem acesso a estes padrões
e, portanto, só assim ele é momentaneamente sustentável, percebe-se que são
muitos os fatores que tornam a questão das mudanças climáticas um tema tão
complexo, porque no momento atual ele representa nada menos que o esgotamento
de um estilo de desenvolvimento que tem se revelado ecologicamente depredador,
socialmente perverso e politicamente injusto.
* Cohen, 2002: 88 (ver referências abaixo)
** Furtado, 1996: 89 (ver
referências abaixo)
Referências:
BARROS-PLATIAU, A. F.. Os atores
da governança ambiental à luz das novas configurações de poder. In: I Encontro
Nacional ABRI, 2007, Brasília. I Encontro Nacional ABRI, 2007.
COHEN, Claude Adélia Moema
Jeanne; Padrões de Consumo: Desenvolvimento, Meio-Ambiente e Energia no Brasil,
Tese, UFRJ, Rio de Janeiro, 2002.
FURTADO, Celso; O Mito do
Desenvolvimento Econômico, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1996.
PORTILHO, Fátima;
Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania, Cortez Editora, São Paulo,
2005.
SILVA, Alberto Teixeira da;
Brasil e Desafios Multidimensionais das Mudanças Climáticas, 31º Encontro Anual
da ANPOCS, outubro de 2007.
Para Saber Mais Sobre a Rio + 20:
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