sábado, 27 de novembro de 2010

Questione: Do Welfare State à Brutalização dos Pobres

Encerrei o meu post, deste blog, sobre o filme Tropa de Elite 2 (Cinema: Polícia e Ladrão, Mocinho e Bandido) convidando a refletirmos sobre como estamos vivendo e qual o nosso papel dentro do roteiro. Nesta situação que hoje vivemos no Rio de Janeiro, volto a convidar a nos posicionarmos e pensarmos qual a nossa posição dentro desta sociedade devastada que se apresenta. Me pergunto, como deixamos que a situação chegasse a este ponto? Qual é o papel dos cidadãos comuns e do Estado?

Existe um termo, o Welfare State, ou Estado de bem-estar social, que se refere a um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de minimizar as desigualdades e equilibrando o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente.

A criação do Estado de bem-estar deriva do intenso confronto entre classes sociais, com grande destaque para as lutas da classe operária, ocasionando uma reconfiguração do Estado, nas formas de produção e nos comportamentos político, social e civil da sociedade. Por outro lado, esta forma de redistribuição permite que a parcela mais necessitada da população ingresse no mercado de consumo, tendo acesso a bens que antes não lhe era disponível, melhorando assim sua condição de vida e com isso retro-alimentando o sistema capitalista que é baseado na necessidade constante de um aumento no consumo.

Porém, a “intensidade” da presença do Estado de bem-estar depende das circunstâncias econômicas. Num Estado dentro de uma ordem mais liberal, ou seja, de um Estado mínimo, menor serão os benefícios que este assegurará à classe trabalhadora e à população pobre em geral. Em épocas de crise a tendência é que se deseje que os recursos do governo sejam destinados à manutenção e a saúde econômica, controle da inflação, manutenção monetária e ajuda financeira para que as instituições e empresas não quebrem. Deste modo, podendo garantir que o mercado continue funcionando, assegurando aos incluídos, a perpetuação do consumo.

A tese é que ao longo do tempo, principalmente com as crises dos anos 1970, houve um declínio no welfare state que em conjunto com as características intrínsecas do capitalismo produz, cada vez mais, uma sociedade mais desigual, os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Bauman em seu livro O Mal-Estar da Pós-Modernidade, analisando o quadro desigualdade entre ricos e pobres dentro de uma lógica capitalista voltada para o consumo, ajuda a esclarecer a posição de cada um de nós – cidadãos, sociedade, mídia e Estado – diante desses acontecimentos recentes em um trecho que transcrevo:

Os pobres de hoje [...] são evidentemente inúteis para os mercados orientados para o consumidor, [...] não são mais as “pessoas exploradas” que produzem o produto excedente a ser, posteriormente, transformado em capital; nem são eles o “exército de reserva de mão-de-obra”, que se espera seja reintegrado naquele processo de produção de capital, na próxima melhoria econômica. Economicamente falando eles são verdadeiros redundantes, inúteis, disponíveis, e não existe nenhuma “razão racional” para sua presença contínua... A única resposta racional a essa presença é o esforço sistemático para excluí-los da sociedade “normal” – ou seja, a sociedade que se reproduz por meio do jogo da oferta ao consumidor e escolha do consumidor.

Bauman, então, os chama de “sorvedouros de nossos recursos” levando a nossa sociedade à incriminação da pobreza e da brutalização dos pobres:

A incriminação parece estar emergindo como o principal substituto da sociedade de consumo para o rápido desaparecimento dos dispositivos do estado de bem-estar. O estado de bem-estar, essa resposta ao problema da pobreza numa época em que os pobres eram o “exército de reserva de mão-de-obra” e se esperava que fossem preparados para voltar ao processo produtivo, não é mais, sob estas circunstâncias alteradas, “economicamente justificável” e é, cada vez mais, encarado como um “luxo a que não podemos nos dar”.

As guerras civis (ou simplesmente de bandos) infindáveis, cada vez mais devastadoras e cada vez menos ideológicas motivadas (ou sob qualquer outro aspecto, “orientadas por uma causa”, no que diz respeito a isso) são [...] formas inteiramente eficazes, baratas e com freqüência lucrativas de policiar e “pacificar” os pobres globais. Transmitidas em milhões de telas de televisão para que todos assistam, elas fornecem um testemunho vívido da selvageria dos pobres e do caráter auto-infligido de sua miséria [grifo meu], bem como argumentos convincentes para o despropósito da ajuda, quanto mais de qualquer substancial redistribuição de riqueza.

A brutalização dos pobre (não necessariamente instigada de maneira intencional, mas avidamente incluída logo que, aparece, sutilmente transformada em “interesse público número um”, aumentada e magnificada pela atenção constantemente estimulada dos meios de comunicação) pode também ser encarada como servindo à tarefa de policiar a cena interna. Convertidos nos proscritos de uma florescente sociedade de consumidores seduzidos, transformados em uma classe baixa sem um lugar atual ou em perspectiva na sociedade, e privados dos meios legalmente reconhecidos de acesso aos bens saudados como os valores supremos da vida agradável, os pobres tendem a lançar mão das drogas, esses sucedâneos (ilegais) do pobre para instrumentos do êxtase consumidor rico. Eles também tendem, de quando em quando, a iniciar a politicamente negligenciada “redistribuição de riqueza”, atacando os bens particulares mais próximos e, assim, fornecendo aos guardiões da lei e da ordem a mais bem-vinda prova estatística do estreito vínculo entre ser um morador de gueto e ser um criminoso, sutilmente usada (da maneira como normalmente o são todas as profecias que se auto-realizam) em apoio à incriminação da pobreza. De vez em quando, os proscritos da sociedade de consumo assumem o papel de luditas (grupo de operários ingleses que tentaram impedir a adoção de máquinas nas fábricas, destruíndo-as) – comportando-se com violência, demolindo e queimando as lojas [neste caso queimando ônibus e carros atemorizando a sociedade do asfalto] [...] espalhados no hostil território ainda não conquistado, e talvez inconquistável, cometendo atos que são imediatamente apresentados como tumultos e fornecendo, deste modo, uma prova adicional, se uma prova adicional fosse necessária, de que a questão da classe baixa é o problema da lei e da ordem.

Quando leio este trecho do texto do Bauman não posso deixar de me lembrar de um comentário de um amigo fez ao ver uma cena na TV da Vila Cruzeiro: “olhando assim parece uma Colômbia”. Numa clara discriminação dada a aparência dos moradores e o aspecto do local. Mas o triste é que ele não é uma voz dissonante, as pessoas nas ruas repetem os mesmo comentários e a TV também não se cansa de divulgar este tipo de manifestação vinda das pessoas. E na Internet surgem aos montes:

O narcotráfico é coisa de vagabundo canalha. Só entram no tráfico os que querem ganhar dinheiro fácil sem a devida contraprestação de trabalho. O narcotráfico é uma indústria, um negócio altamente lucrativo às custas do vício de desavisados.

Chega de bandidos dando trabalho para a sociedade! Eles resolvem tudo no fuzil, chegou a hora deles tomarem do próprio remédio. Se a policia fosse prender todos, sobraria pra gente pagar suas estadias na cadeia.

Esse papo de Direitos Humanos é só para algum poderoso tirar proveito próprio. Se alguém gosta tanto de defender esses direitos escusos, que leve para sua casa um desses vagabundos e cuide dele.

Por favor, gente!!!! Os bandidos já escolheram. Estão contra o Estado de Direito. Estão contra o cidadão de bem. Estão contra a o Princípio da Segurança Jurídica porque querem acabar com a sociedade como a conhecemos. Não desejamos que nosso país conviva com a realidade que nossos irmãos mexicanos padecem atualmente enfrentando poderosos cartéis criminosos que procuram destruir a própria organização social para que possam lucrar seu dinheiro sujo do sangue dos inocentes. Esses indivíduos querem destruir as bases em que nossa sociedade se estrutura. Querem acabar com a democracia, com nossas polícias, como nossas crenças religiosas, com nossas convicções políticas. Querem se infiltrar entre nossas autoridades, em nossas casas legislativas, em nosso judiciário, se já não o fizeram. Querem desestruturar a família, transformar nossos filhos em escravos viciados. Para eles seria melhor que o Estado não existisse.

E o que não dizer da repetida exposição de dois dos presos sujos, enfaixados ensangüentados, a cara do crime derrotado:


Prisioneiros exibidos na televisão como troféus, a face da derrota do crime

Não estou aqui querendo defender os culpados dessa onda de violência que vem nos assolando há uma semana. Só não quero assistir a tudo isso sem refletir a respeito. Sem questionar. Não estou aqui para dizer quem são os bons e os maus, até porque esse maniqueísmo não existe. Infelizmente temos que aplicar um antídoto que não trará a cura para este mal social, trará apenas um alívio para a febre. O problema aqui está na estrutura da nossa sociedade. Uma solução definitiva virá apenas em longo prazo. Quando vemos uma multidão de maltrapilhos fugindo desordenadamente numa estradinha morro acima, mato a dentro, mesmo que muitos estejam portando armas, não os julguemos rápido demais, por mais clara que seja a situação, vamos refletir um pouco sobre o que está acontecendo em nossa sociedade e nosso papel dentro dela. Deixemos o julgamento para quem é de direito, o Estado, este que tanto estamos defendendo.


Saiba mais:

Bauman, Zygmunt; A Moralidade Começa Em Casa: Ou o Íngreme Caminho Para a Justiça, In: O Mal-Estar da Pós-Modernidade, páginas 62 a 90, Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1998.

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