“Não mais podemos tolerar tal situação, que nos levou além dos limites da capacidade de sustento da Terra, e na qual vinte por cento das pessoas consomem oitenta por cento dos recursos mundiais”, Portilho*.
A maneira como os seres humanos se relacionam com o meio ambiente vem se alterando ao longo da história. Por um longo tempo pensou-se que os recursos naturais seriam ilimitados, porém, eles são finitos e a Terra não tem capacidade de sustentar nosso estilo de vida atual, ainda mais se pretendemos incluir a massa populacional socialmente excluída que não desfruta de um padrão de vida digna minimamente aceitável.
Os mais sérios problemas globais relacionados ao desenvolvimento e meio ambiente que enfrentamos atualmente decorrem da ordem econômica mundial caracterizada pela produção e consumo sempre crescentes, gerando como conseqüência o esgotamento e a contaminação de nossos recursos naturais, além de provocar o agravamento da pobreza, criar e perpetuar desigualdades abissais.
O modo que nossa sociedade vem se desenvolvendo e está sendo construída através dos séculos está provocando uma marca no planeta de degradação ambiental chamada de “Pegada Ecológica” (o termo vem do inglês ecological footprint que significa a quantidade de terra e água que seria necessária para sustentar as gerações atuais, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos gastos por uma determinada população) que a cada dia se mostra insustentável e ameaça nossa própria existência.
A “Pegada Ecológica” mostra até que ponto nosso estilo de vida está de acordo com a capacidade do planeta; ela não é uma medida exata, mas sim uma estimativa da quantidade de planetas necessários caso o modo de viver de cada um fosse adotado por todas as pessoas na Terra, ou seja, se houvesse menos injustiça social na distribuição dos recursos e todas as pessoas, que passam por necessidades básicas, fossem incluídas no modo de vida capitalista ocidental. Ela pode ser calculada para um país, uma cidade, ou para uma pessoa, de um modo geral, quanto mais industrializada a sociedade, mais recursos da Terra consomem, necessitando de mais espaço territorial para produzir os recursos que a sustente, provocando uma pegada maior do que sociedades com menor grau de industrialização, necessitando recursos de todas as partes do mundo, afetando cada vez locais mais distantes.
A China, em 2010, possuía uma população de bilhões de pessoas, enquanto os Estados Unidos tinham 309,7 milhões, ou seja, a China tem aproximadamente um bilhão a mais de pessoas que os Estados Unidos***, além de ser o país que mais se desenvolve economicamente e industrialmente no mundo; ainda assim, de acordo com a Figura, sua Pegada Ecológica por pessoa é de 1,6 sendo menor do que o valor considerado ideal que seria de 1,8, enquanto que os Estados Unidos possui uma Pegada de 9,6 por pessoa, isto é mais de cinco vezes o valor ideal. Imaginemos que a China queira atingir o padrão de consumo americano, possibilitando que toda sua população desfrute do mesmo estilo de vida que os habitantes da América do Norte, e que a Índia, com sua população atual de bilhões de habitantes e “Pegada Ecológica” de 0,8, também conseguisse atingir o mesmo padrão, o Planeta entraria em colapso antes mesmo que isso acontecesse.
Por outro lado, a crescente demanda por comida em diversos países em desenvolvimento é motivada pelo crescimento econômico, o aumento da renda per capita e a urbanização. Nos últimos decênios, a economia mundial tem apresentado uma expansão sem precedentes e o crescimento da renda per capita aumentado rapidamente. Existe uma relação direta entre o aumento da renda e o consumo per capita de alimentos como a carne que exige muito mais recursos para produção, como pode ser visto na tabela abaixo. Assim, se torna imprescindível o aumento da produtividade na agricultura para fomentar o crescimento econômico, a redução da pobreza e a segurança alimentar das populações.
O incremento da produtividade agrícola tem efeitos positivos para a população pobre em três sentidos: provoca uma queda nos preços dos alimentos para os consumidores, facilita entrada de novos produtores e multiplica o crescimento do resto da economia na medida em que aumenta a demanda de outros bens e serviços. Nos países onde o consumo per capita de produtos pecuários tem aumentado nos últimos decênios, em particular nas economias de rápido crescimento como o Brasil, China e Índia, demonstra que economicamente estão se distanciando daqueles em que o consumo de produtos agrícolas se manteve constante ou apresentou queda, como grande parte da África Subsaariana. Esta situação na qual os países precisam passar para estimular o seu desenvolvimento gera mais e mais pressão sobre o ambiente.
Considerando as pessoas mais pobres do mundo, 50% das pessoas que vivem na África Subsaariana ganham menos de U$1,25 ao dia e 73% desta população vive com menos de U$2 ao dia, somente no Sul da Ásia mais pessoas vivem com tão pouco, alcançando 74%. A Nigéria é um grande exportador de petróleo, porém mais de 70% de sua população vive abaixo da linha da pobreza. A riqueza está lá, mas os habitantes do país não têm acesso a ela. De acordo com o Banco Mundial, a China é aonde a pobreza vem diminuindo mais rapidamente, reduzindo sua população pobre em cerca de 475 milhões de pessoas. Enquanto em 1990, 37% dos pobres do mundo foram encontrados na China até 2005 o número tinha diminuído para 15%.
Se, por um lado, essa parcela da população mundial não tem o mínimo necessário para sua sobrevivência, por outro, uma minoria privilegiada, consome seu quinhão dos recursos disponíveis no planeta e a parcela que deveria pertencer a esses excluídos. O resultado dessa distribuição tão desproporcional só poderia ser o lixo, o descarte, a obsolescência desta população. No lixo não só vai parar o que não serve mais. Para lá vão desde embalagens de todo gênero, das mais simples às que envolvem alta tecnologia para serem produzidas a produtos ainda em bom estado que poderiam ainda estar sendo utilizados, mas que são descartados simplesmente porque estão obsoletos.
Mais da metade da produção mundial de lixo urbano pertence aos cidadãos dos países desenvolvidos. Estima-se que para cada cem quilos de produtos manufaturados nos Estados Unidos, são criados 3.200 quilos de lixo. Os países ricos são melhores produtores de lixo do que propriamente de bens de consumo. Quanto mais rico o país ou a cidade, maior a quantidade de lixo gerada, assim os Estados Unidos Lideram o ranking dos maiores geradores de lixo per capita do mundo. O lixo além de poluir e se transformar em toneladas inúteis de recursos, que foram extraídos do planeta, contribui para a comprovação da desigualdade social uma vez que existem milhares de pessoas que vivem dele por falta de outra oportunidade, numa tentativa de se inserir de algum modo na sociedade. Além do mais, alimenta-se a idéia de que com a reciclagem o problema do lixo estaria resolvido, por isso não há nenhum esforço para tentar reduzir a própria produção do lixo, que é a origem do problema, mas é evidente que ano após ano há um aumento na quantidade de lixo produzida sem que pouco ou nada seja feito a respeito.
Portanto, existe uma contradição entre a necessidade de produção e consumo do sistema capitalista e a de preservação ambiental. O mundo já está consciente da degradação do planeta e muitas ações estão sendo tomadas para mitigar ou prevenir que o problema se agrave, seja por parte de órgãos governamentais e de medidas oficiais por parte dos governos dos Estados, seja por meio de pesquisas que vem sendo feitas pelos cientistas, tanto para dimensionar o problema quanto para resolvê-lo, seja ainda por parte das próprias empresas capitalistas que deverão cada vez mais contribuir diretamente com as soluções e, também, individualmente, por cada um de nós.
O sistema capitalista, que hoje rege nossas vidas, dificilmente passará por mudanças profundas em sua lógica essencial do objetivo máximo voltado ao lucro, pelo menos num espaço curto de tempo, e dificilmente as pessoas, também, abrirão mão do bem-estar e do nível de consumo adquirido, portanto, todas as ações, por menores que pareçam, são bem vindas, tanto as individuais quanto as por parte das empresas, de algum modo elas serão efetivas, ou pelo menos não contribuirão para o agravamento do problema. Não é hora de medirmos esforços, devemos ser perseverantes e fazermos nossa parte, cobrar dos outros e da sociedade como um todo que também faça a sua e assim construirmos um futuro possível.
* Consumo "Verde", Democracia Ecológica e Cidadania: Possibilidades de Diálogo? - Artigo sem data: http://www.rubedo.psc.br/Artigos/consumo.htm
** Fonte: Site WWF
*** Dados do Banco Mundial
**** OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, é uma organização internacional de 31 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado. Os membros da OCDE são economias de alta renda com um alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e são considerados países desenvolvidos.
Para saber mais sobre a “Pegada Ecológica”:
WWF
http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/pegada_ecologica/
Calcule sua pegada - Escolha o Brasil como seu país para fazer o teste em português
http://www.footprintnetwork.org/en/index.php/GFN/page/calculators/
Reduza sua pegada
http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/pegada_ecologica/reduza_sua_pegada/
Fantástico
http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1680596-15605,00-LOTACAO+ESGOTADA+MILHOES+DE+PESSOAS+NO+MUNDO+PASSAM+FOME.html
Referências:
Banco Mundial
http://devdata.worldbank.org/DataVisualizer/
REYNOL, Fábio; Lixo - consumo, descarte e riqueza, CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida, 2008.
COHEN, Claude Adélia Moema Jeanne; Padrões de Consumo: Desenvolvimento, Meio-Ambiente e Energia no Brasil, Tese, UFRJ, Rio de Janeiro, 2002.
FAO; El Estado Mundial de La Agricultura y La Alimentación , Organização das nações Unidas para Agricultura e Alimentação, Roma, 2009.
FÓRUM GLOBAL, Tratado Sobre Consumo e Estilo de Vida, Rio de Janeiro, 1992.


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